quinta-feira, 27 de março de 2008

LOOSE FUR (BORN AGAIN IN THE U.S.A.) 2006



E Deus desceu à terra num dia qualquer e foi para Chicago. Lá chegando disse a Jim O'Rourke (ex dos Sonic Youth), Glenn Kotche e Jeff Tweedy (baterista, e o eterno líder dos Wilco) para deixarem de lado os experimentalismos de Loose Fur - o primeiro álbum homônimo - e lançarem um disco de canções sobre ou relacionadas a Ele, mais curtas, incisivas e diretas. “Mas falem de mim” – foi o que Ele disse quando se despediu. E assim foi feito.

As dissonâncias e as partes mais livres são relegadas para segundo plano, e o que fica são as canções. Há dois escritores de canções aqui. Um deles é excelente e o outro é muito bom. De um lado, Jeff Tweedy, do outro, Jim O'Rourke. Que funcionam bem juntos. Não só como dupla de produtor/líder da banda nos últimos dois discos dos Wilco, Yankee Hotel Foxtrot (uma das grandes obras-primas do novo milénio) e A Ghost is Born, mas também como membros da mesma banda, como prova este Born Again in the USA.

"Apostolic" (faixa 4) é prova disso mesmo, sendo uma parceria entre os dois, tendo a letra sido escrita por ambos. Tweedy canta e O'Rourke acompanha-o, em falsete. Há guitarra aos ziguezagues e a bateria portentosa de Kotche - que não se impõe demasiado, sabendo dar aos temas aquilo de que precisam, sabendo ser simples e complexo de acordo com o contexto, ora musculado, ora silencioso, muitas vezes dentro da mesma canção (é interessante a metáfora que surge numa das fotografias para a imprensa do grupo, em que Kotche segura em O'Rourke e Tweedy pelas suas camisas, sendo a espinha dorsal da união entre os dois) -, com cowbell a marcar o tempo. “The apostolic life is the life for me”, vindo de alguém que um dia cantou “Theologians, they don’t know nothin’ ‘bout my soul” (“Theologians”, de A Ghost is Born), pode parecer um pouco estranho. Mas isso só deve mostrar que as palavras de Born Again in the USA não são para levar ao pé da letra. Pode também querer dizer que este é um disco sobre a excessiva evangelização do país desta gente, e até pode ser visto como uma crítica. “You shall have no other god but me”, em “Thou Shall Wilt”, de O’Rourke, exemplifica bem isto. Os americanos estão certos e o resto do mundo está errado. Quem não está com eles está contra eles. É tudo assim.

Esta faceta cômica do disco está patente na sua embalagem. Nos encartes há mulheres em trajes menores, agachadas e não só, nos desenhos da capa e do próprio CD e há fotografias de cada membro da banda e dos instrumentos que tocaram (sempre as mesmas fotografias) no livrete que o acompanha. Assim, ficamos a saber que em cada tema de Jeff Tweedy foi Jim O’Rourke que tocou baixo, que microfone é que foi utilizado, que Tweedy tocou guitarra de 12 cordas em “Answers to Your Questions”, quem é que tocou harmônica, que guitarra foi usada, tudo em fotografias. Para além disso, as fotografias dos membros parecem ter sido tiradas quando estes acordaram, de tão grotescas que são. Isto só sublinha a necessidade de não levar esta coisa toda demasiado a sério.

Há, em Born Again in the USA, espaço para tudo. Aprendendo com o rock progressivo, as estruturas das canções envolvem sempre momentos instrumentais que não se revelam demasiado longos e que, ao contrário do que era o caso em Loose Fur (homônimo), não envolvem improviso excessivo. As canções são mais curtas, há uma economia dos momentos instrumentais que faz com que estes sejam utilizados da melhor forma, mais ponderados e interessantes.

Born Again in the USA é um triunfo, um disco económico nos seus quase 38 minutos, mas com tudo aquilo que de bom os três membros têm para oferecer. Curto e directo, Born Again in the USA é um disco sobre Deus. Sobre a América e Deus. Mas não é preciso ser amigo Dele para gostar da obra encomendada por Ele. Não contem a ninguém, mas muito provavelmente os Loose Fur também não são amigos Dele. E, no final de contas, isto não é para levar lá muito a sério.

Belo texto (sobre obra prima de álbum) editado do site português Body Space

LOOSE FUR (BORN AGAIN IN THE U.S.A.)

3 comentários:

  1. I was born in U.S.A. too.

    Bruce Springsteen

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  2. Sérgio,
    Dê uma passada lá no jazzigo. Postei uns lances de Herbie Mann, que, acredito, você gostará. Ele faz um som bastante digerível - durante os anos setenta, ele gravou uma série de discos mais fusion interessantes.

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  3. salve amigao, passando p/avisar q acabei de linkar o teu blog la.....
    obrigado pelo apoio, tamo junto

    abrazzz

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Uma obra de arte é um ângulo apreciado
através de um temperamento.
(Emile Zola)