quarta-feira, 23 de abril de 2008

LYNNE ARRIALE TRIO (THE EYES HAVE IT) 1993



Não há forma mais pedagógica (e prazerosa) de encarar o jazz: pega-se uma melodia que todos reconhecemos, ou pela qual facilmente nos apaixonemos - um tema -, e parte-se rumo à improvisação sem nunca perder de vista as linhas harmônicas originais. Pode ser um clássico de Duke Ellington, uma canção de Lennon e McCartney, um tema original, uma composição própria, até. O que importa é que nela se consiga lapidar um jazz universal, inspirado. É como deve ter dito algum grande escultor, simplificando os mistérios de sua obra: é fácil, é só separar a Pietà da pedra fundamental e todo o resto se resolve... Num bom jazz, o tema, mesmo para os que se dizem não apreciadores do jazz, os detalhes enaltecem e valorizam o tema original. Ao menos pra mim, é mesmo simples assim. É como vi o trabalho de Lynne Arriale. Um piano, músicos no mesmo diapasão (diga-se afinidade) e um feeling absurdo por toda a volta!

É surpreendente porque trata-se de uma artista que jamais teria acesso – jamais ouvira falar -, não fosse esta ferramenta de teclado, mouse, uma tela e uma conexão com um mundo exterior nem tão virtual como se presume. Pronta para te dar uma bela oportunidade de separar a obra de arte das sobras de um todo, make... dodói(para ser sutil, afinado com o som que se ouvirá).

Sobre a "escultora de melodias" diz a única fonte (em língua e terras portuguesas) que encontrei para Lynne Arriale, na Rede - e que fala de um show que Lynne faria em Lisboa em 2007: Na bagagem que vai despachar no aeroporto de Milwaukee (onde, provavelmente, Lynne morava por ocasião do texto), a pianista guarda um alinhamento desenhado à base de Come Together, álbum com que comemora o décimo aniversário do trio, e de Arise, editado em 2003. Quer isso dizer que, além de um generoso repertório de composições originais, em que tem vindo a apurar um notável sentido lírico - fruto de uma formação clássica iniciada aos 4 anos -, Arriale carrega uma mala cheia de apontamentos populares prontos a serem torcidos em exercícios de improvisação - American Woman, Lean on Me, Iko, Iko ou Kumba Ya vale tudo. "Boas melodias : é isso que une todos esses temas", explica. "É a melodia, sempre a melodia, aquilo que, primeiro que tudo, todos retemos de uma música. É por ela que se pode abrir uma porta do jazz a quem ainda não entrou. "Depois há o material original "inspirado em várias tradições, do flamenco à brasileira, passando pela escocesa e céltica. Adoro toda a folk, e isso marca decisivamente a minha escrita."

O resultado é um repertório eclético, segurando pela maravilhosa obsessão melódica de um piano de fraseado virtuoso, ágil e imaginativo, sempre empenhado em escancarar as portas do jazz. Aconselha-se entrar.

O TRIO:
Lynne Arriale - piano, arranjos & produção
Jay Anderson - bass & acoustic bass
Steve Davis - drums & arranjos

O ÁLBUM (encontrado):
Lynne Arriale Trio (The Eyes Have It) 1993

11 comentários:

  1. Bom saber que a boa música é marca registrada do seu blog.

    Abraço, JL.

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  2. Há muito tempo, Lester. Valeu o apoio.

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  3. Prezado Sérgio,
    O seu texto finda por me convencer a ouvir a moçoila. Vamos lá, pois. Depois eu comentarei.

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  4. Estou com quase todos os álbuns oficiais de ms Arriale. E é muito belo o som dessa mulher, Salsa.

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  5. Anônimo2/5/08 08:02

    Sérgio,ótima sugestão,, Arriale é das mais refinadas pianistas em atividade.Edú.

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  6. Essa vai em caixa alta: "FINALMENTE, HEIN, EDU!" Tapete vermelho 'pá tu'. A grande pena aqui, é vc não baixar álbuns, mas sempre que possível, colocarei palas de uma ou duas músicas dos discos que disponibilizo para uma breve avaliação. E se puder contar com seus comentários, principalmente nos artistas que você não conhece, não só ficaria muito grato, quanto a qualidade da informação aqui acresceria muito.
    Um abraço.

    Ps.: Lyne Arriale é viciante. Depois de muito batalhar consegui a maioria de seus álbuns. É tudo muito bom!

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  7. Anônimo2/5/08 15:22

    Caríssimo Sérgio, privilégio meu colocar minha rudimentar opinião nesse espaço.Tem um disco da Lynne Arriale que gosto muito particularmente chamado “Melody”, onde ela só desenvolve linhas melódicas.Mas o ponto culminante,dos que ouvi(tenho uns 4) e a interpretação de "Estate" no disco gravado em Montreux.Eu mostrei ao Alberico Cilento, seguramente um dos 10 maiores conhecedores de jazz no país, pra extrair uma opiniãozinha sobre meu "feeling".Ele simplesmente , após alguns segundos de pausa da audição foi direto:"perfeito”.Edú

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  8. State é fantástica, Edu. Estou reouvindo agora por sua dica.

    Mas te digo que o mais importante neste teu comentário, é o fato de dizer que pediu a opinião de alguém mais estudado no assunto pra confirmar suas suspeitas. As pessoas tem a tendência de se achar auto-suficientes para designar o que é obra de arte do que é gosto, excelente no próprio julgamento. Quando não há demérito algum em pesar na balança a opinião dos mais estudados no assunto. A tendência é pensar em falta de personalidade, ao invés de vontade de aprender com quem sabe mais.

    É por isso, aliás, que, tentando não ser freqüentemente insistente, resumindo: chato, vou pedir aqui e ali, sua opinião em coisas que muito aprecio, mas não tenho a absoluta certeza se se pode considerar a quintessência da arte. O que, claro, não mudará minha opinião simpática àquela obra. Será apenas uma medição de a quantas anda a educação auditiva.

    Coincidentemente já tenho um bom exemplo de um artista de que, pelo que li, é no mínimo polêmico. Eu o achei fantástico! Esse cara é o Woody Shaw. Neste já fui bem escorado pelo Salsa, mas algo me diz que as opiniões se dividem ao avaliá-lo.

    E aí, vai encarar opinar ou se exime?
    Um abraço e não se obrigue.

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  9. Anônimo2/5/08 17:53

    Meu amigo Sérgio,Estate - tema de Bruno Martino - tem duas gravações soberbas , na minha opinião.Uma delas com aquele genial(na criação) e chato de galocha (na personalidade e atitudes)chamado João Gilberto.Outra, com a incomparável Shirley Horn no álbum com cordas e arranjos de Johnny Mandel ,"Here's to Life".No tocante a auto-suficiência no conhecimento: a partir que essa própria opinião seja emitida pelo conhecedor em si ,passa ,pra mim, mais um exercício de narcisismo e egolatria.Para finalizar e não aborrecer mais os visitantes, Woody Shaw , na minha opinião, foi o mais inspirado trompetista de jazz da metade dos anos 70, até o inicio da dinastia Marsalis , por volta de 83.Com um Freddie Hubbard(um dos trompetistas de técnica mais exuberante do jazz e infelizmente também um dos mais irregulares, recorrendo a uma postura de apelo excessivamente comercial no período), Shaw demonstrou trabalhos com personalidade própria , sonoridade e articulação de características marcantes.Às vezes de empatia não tão fácil.Como vc descreveu, teve um destino final de vida cruel."The Moontrane" é um disco que categorizo como espetacular.Edú

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  10. Não sei se entendi a parte da egolatria. O certo é que aprendo muito com Lester, Salsa, você... Sobre jazz, me orgulho e até me envaideço de ter um ouvido afinado pro que é bom - vide Woody Shaw - mas tbm acho um belo exercício de humildade, pautar de certa forma, o meu gosto pelos que conhecem mais. Mas esse papo cabeça é complexo.

    Voltando ao Woody, sua opinião me lembrou um dos poucos textos em português que vi na rede sobre Shaw. O blogueiro chama-se Arnaldo de Souteiro. Uma cara furioso mas, me pareceu que conhece do assunto. Vcs dois disseram mais ou menos o mesmo: Shaw, entre os 60 e 70 e poucos, era a bola da vez.

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  11. Anônimo4/5/08 15:28

    O Souteiro é marido da cantora Itamara Koorax apesar dela residir na tua terra e ele em LA. Produz coletâneas de Bossa Nova mixadas na base do "Drum and Bass"(musica eletrônica) para o mercado externo.Em razão disso e do recolhimento dos direitos autorais, não é uma unanimidade entre todas as amizades.Grato por sua atenção, tenho certeza que sempre tomarei conhecimento de uma informação interessante em teu blog.Edú

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Uma obra de arte é um ângulo apreciado
através de um temperamento.
(Emile Zola)