sábado, 14 de maio de 2011

East Of Eden (Kalipse) 1996


És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo tempo tempo tempo
... Já reparou no Charlie Watts tocando batera nos Stones? Todo mundo se esgoelando, fazendo pirueta lá na frente e o cara nunca, há 50 anos!, consegue esconder a pinta de "porque que eu me meti nisso?". Porque do aparente desconforto? Porque ele queria fazer Jazz, ora! E o tempo a ver com isso? O tempo é o senhor da mudança e com ela - não sou filólogo mas arrisco chutar que tempo + herança = temperança. Uma hora o tempo age e muda o foco e a forma da rebeldia. Quanto a Charlie Watts... ainda que congelado, envelhecendo... Por outro lado, é o melhor exemplo do cara errado em hora e local errados que deu super certo! Pense outro tão perfeito?

Bom, tresontonte retornei a uma banda que sempre que ouço fico com as sábias palavras de mr. Lester, catedrático em jazz, martelando nas idéias. As palavras não são as mesmas, mas o conceito é, jazzistas quando tentam tocar rock, ficam cheios de dedos, pés pisando em ovos, enfim, não é uma coisa natural. Enquanto quando roqueiros vão ao jazz, se sentem à vontade, fazem do jeito deles, pesado, divertido, sujo, sofrido, arrogante, com raiva!... É claro que toda a regra tem exceção, mas na média é bem isso sim.

E East Of Eden, uma banda britânica de Bristol, personifica essa verve além de, com a postagem que tento, explica essa magia do tempo. Sinceramente, eu duvido que haja nesse mundo um grupo de rock que personifique tão bem as palavras do Lester. Veja, entre 1969 e 1970, moleques ainda, eles gravaram dois discos divisores de águas na praia fusion de Soft Machine, King Crimson e um cauteloso Miles Davis. Segundo a crítica, além dos rasgados elogios, "Snafu", o 2º álbum, foi o disco mais não comercial a perdurar durante meses, entre os British Top 30" daquele 1970. Numa outra resenha, a explicação: "ao final de suas apresentações ao vivo, os músicos sempre tocavam uma musiquinha mais folk e brincalhona, totalmente diferente do estilo de seu repertório, como uma forma de relaxar a audiência após tanta massa sonora.". E nessa de sem querer mesmo, emplacaram "Jig-A-Jig", algo muito próximo a outro sucesso de Jean-Luc Ponty "New Country" de 1976 (álbum Imaginary Voyage). Mal comparando e sendo bem malvadinho, seria, um misto das duas, a música que a Família Lima vendia a alma ao demo, para ter composto... 

Malvadíssimo, eu fui. Com a comparação acima devo ter espantado uns 90% dos meus 3 leitores. Para não perder o último que me resta, vamos direto ao texto de Marco Gaspari sobre a banda East Of Eden.
 
Gerard Mercator (05/03/1512 - 02/12/1594) é considerado um divisor de águas na história da cartografia. Eminente geógrafo flamengo do século 16, foi ele o criador da primeira representação cartográfica confiável da esfera terrestre, através de projeções sobre uma superfície bidimensional e de um conjunto de mapas por ele denominado Atlas (já ouviu falar nessa palavra?), em homenagem ao rei Atlas da Mauritânia.

Pois ninguém melhor do esse senhor para batizar o primeiro álbum de uma banda inglesa que era um verdadeiro mapa-mundi de influências sonoras, anos antes da expressão world music ser cunhada pelos rotuladores de plantão.

Mercator Projected é o nome do álbum e a banda é nada mais nada menos que o East of Eden, uma ilustre desconhecida nos dias de hoje, mas um dos grupos mais originais da incipiente cena progressiva de sua majestade.

Formada em Bristol, no ano de 1967, e mudando para Londres no ano seguinte, a banda assinou com a Decca e passou a fazer parte do selo Deram. Sua formação na época era Dave Arbus (violino elétrico, flauta e saxofone), Ron Caines (sax alto), Geoff Nicholson (guitarra e vocais), Steve York (baixo) e Dave Dufont (percussão).

Mercator Projected saiu em 1969, misturando jazz, Bela Bártok, música oriental e rock, num caminho totalmente contrário ao dos medalhões da época que via de regra adotavam a fórmula solos de guitarra/teclados pirotécnicos.

Dave Arbus era o grande músico da banda, um cara totalmente maluco por Charles Mingus. Depois de ver Jean Luc-Ponty num show em Paris, passou a eletrificar seu violino, criando uma das marcas registradas do som do East of Eden (uma curiosidade: foi ele o responsável pelo longo solo de violino no final da música “Baba O’Riley” do The Who).

O álbum (Mercator Projected) trazia oito músicas que logo fixaram a banda como uma das mais cultuadas pelo público underground inglês, o que encorajou a Deram a lançar um segundo álbum: a obra-prima Snafu.

Com a formação alterada com a entrada de Andy Sneddon no baixo e Geoff Britton (mais tarde do Wings de Paul McCartney) na bateria, este álbum escancara ainda mais as influências jazzísticas de Dave Arbus e alcança o Top 30 nas paradas da Inglaterra.

Curioso é que no final de suas apresentações ao vivo, os músicos sempre tocavam uma musiquinha totalmente diferente do estilo de seu repertório, mais folk e brincalhona, como uma forma de relaxar a audiência após tanta massa sonora.
 
Pois não é que “Jig-a-Jig”, esse era o mome da musiquinha, gravada como single na época, chegou ao sétimo lugar nas paradas, permanecendo entre as dez mais por 12 semanas seguidas! Apesar de financeiramente satisfatório, esse sucesso repentino acabou por confundir o novo público que procurava nos discos do East of Eden mais exemplos comerciais de “Jig-a-Jig” e acabavam encontrando um som absolutamente refinado e desafiador.

Em 1972 o grupo sai da Deram e assina com a Harvest, lançando dois bons álbuns, embora bem mais convencionais. Vários discos e formações diferentes depois, a banda acaba em 1978, sem nunca ter reprisado o brilho de seus dois primeiros trabalhos.

Mercator Projected e Snafu permanecem como dois grandes exemplos de como o progressivo inglês soube ser imaginativo e audacioso antes de ser dominado pela ganância das gravadoras e pela megalomania inconseqüente de seus músicos. 
Texto de Marco Gaspari
Matéria originalmente publicada na revista poeira Zine número 19.
Para saber mais clique no www.poeirazine.com.br

Dadas as devidas explicações do "de quem se trata", o álbum que posto de East Of Eden é o realizado já em 1996. O primeiro da retomada, tipo os caras na 3ª idade, depois de um hiato de 20 anos, quando os cabeças da banda resolveram se reunir novamente e agora com o tempo a seu favor. Não dá pra dizer que é o mais puro jazz, afinal e sempre, será jazz de roqueiros, mas dá pra afirmar com prova musicabal sobre as sensíveis mudanças operadas pelo tempo - para não cair na armadilha da filosofice, troquemos o "custo" por "tempo/benefício" - numa arregimentação de músicos que nunca visaram só o dinheiro, com um potencial inesgotável para revolver o solo fértil das cifradas notas impressas sem $ifrão. E pelo amor de deus!, aqui não vai nenhuma crítica. Eu amo os Rolling Stones muito mais até que os Beatles. Acho que eles devem durar fazendo -only- roquenrou -but I like it- até que a morte os separe... Mesmo com o Watts com aquela cara de "amanhã eu peço as contas", a questão é que a proposta de East Of Eden é totalmente outra. Tanto mostrar o álbum (Kalipse 1996), como os outros dois mais importantes, no começo da batalha, foi uma idéia que maturei na cabeça devido a grande qualidade da música que esses caras, praticamente zerados do conhecimento público, faziam. Lembra do tresontonte da reaudição, quando mal lembrava de que East Of Eden existira? Depois de reouvir e repirar, tudo igualzinho como lá nos antigamente, fui atrás da obra dos caras, que creio, esteja em 10 originais entre 1969 e 2005. E aí sim, não descansei até encontrar o raríssimo (out of blogs) álbum "Kalipse". Outro detalhe bom pra pensar: o leitor conhece alguma outra banda que tenha nascido há mais de 40 anos, parou e voltou com praticamente a mesma formação, com o som convincente, honesto, sóbrio e todo reformulado, como pede o passar dos anos?  Pela lógica que espero ter conseguido passar neste texto, o som do Kalipse, o álbum, não é mais aquele desbunde feroz e revolucionário, ao contrário tem faixas maduras, elegantíssimas como logo a 1ª do título, dá uma sacada...

East Of Eden, Faixa 1. Kalipse


Tai uma banda que merece até tese. No lugar do leitor, ia pela ordem. Baixava o Mercator, depois o Snafu pra depois sentir a evolução e a temperança de Kalipse. Aliás a postagem foi realizada com esta intenção. Os links pros álbuns estão no texto. E se o texto deixou dúvidas, a velha máxima de uma imagem vale por mil palavras, deixará tudo às claras no vídeo.


Faixas:
1. Kalipse (Caines / Nicholson - 7:12) !!!!!

ATENÇÃO: baixe a faixa 2 aqui.
2. 5th Amendment (Nicholson - 7:39) 


3. Uccello (Caines - 4:27)  !!!!
4. Con Fuoco (Nicholson - 6:39)  !!!!!
5. Eddie Mars (Caines / Nicholson - 6:07) !!!!
6. Ballad X (Caines / Nicholson - 5:03) !!!!!
7. Light Source (Nicholson - 5:09) !!!!
8. Goodbye Pork Pie Hat (6:09)  !!!!
9. Nexus (Caines / Nicholson - 1:47)  !!!
10. Slow Food (Nicholson - 4:41) !!!!!

A banda:
- Dave Arbus / violin, flute
- Geoff Nicholson / guitar, drums, programming
- Ron Caines / Alto, Soprano & Tenor saxophone
- Jan Lehne / bass guitar


6 comentários:

  1. Putz!!!! Som maravilhoso! Obrigada por me apresentar à essa pérola. Valeu!!!!!!!!!

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  2. Obrigado a vc Mony Rocha, pela visita. É muito bom ver as pessoas curtindo um som tão raro. Mas nesse caso acho que não deve ser muto difícil, ouvir e se encantar.

    Valeo!

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  3. Camarada Sergio, adorei a dica e indiquei a meus "duplas", que também curtiram demais o sonzaço da banda. Referências a Led Zeppelin e Jethro Tull foram percebidas, o que não tira o brilho do trabalho dos caras. Mais uma vez, thanks a lot pela recomendação. Quero ouvir outros discos deles, falou? Grande abraço!

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  4. Pois é, Jorge, também fiquei impressionado com a banda e a capacidade dos caras de se reinventar. Outro dia pus na radiola uns álbuns do Caribean Jazz Project e vi alguma semelhança, embora o som so EOE seja mais melancólico. Tem o Tortoise também com um som semelhante. Quanto aos demais álbuns da banda, aos poucos vou passando pra vc. O que é certo é que a próxima postagem será o Armadillo, álbum de 2000 que é luxo só! Estou só esperando mais amigos passarem por aqui pra tomar conhecimento desse som.

    Abraços e valeu a visita.

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  5. Taí, me vinguei do Wilson no tal do Kalipse... Melhor que o Calypso será com certeza, re re.

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  6. Fala Ravel! Deu pra ver que ontem vc fez uma excursão aqui no barraco e dependências. Muito me honra, viu? Visto o estado de abandono da casa... Tem poeira até o teto, amigo. Bem, começando na ordem de postagens e não na de seus comentários, é ca-la-ro q East of Eden e o seu Kalipse é uma coisa e o bluarrrrrrrrrrrrrgh... Calopso, outra bem diferente. Mas entendi a sua piada... Tomara que tenhas gostado.

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Uma obra de arte é um ângulo apreciado
através de um temperamento.
(Emile Zola)