quarta-feira, 27 de agosto de 2008

THE PRETTY THINGS (S.F. SORROW) 1968


THE PRETTY THINGS / S.F. SORROW, O PAI DE TOMMY

por Leonardo Bomfim

A Banda

Quando se fala sobre o pioneirismo em óperas-rock, todos logo lembram do The Who e de seu clássico Tommy, lançado em 1969. Alguns mais atentos irão recordar do Arthur, discaço lançado pelos Kinks no começo do mesmo ano. Mas, na verdade, a primeira ópera-rock que obteve grande destaque, foi S.F Sorrow (1968) dos também ingleses Pretty Things, que acabaram aclamados como os pais da criança, apesar de uma outra banda inglesa chamada Nirvana ter lançando o excelente The Story Of Simon Simopath no ano anterior.

O Pretty Things, natural de Kent (uma cidade litorânea próxima a Londres), começou a tocar em 1963 e logo se destacou pelas suas apresentações nervosas, tocando R&B da melhor qualidade com uma pegada punk. Não é à toa que eles seriam reverenciados por quase todas as bandas de garagem que surgiriam depois. O som do Pretty Things era calcado na excelente guitarra de Dick Taylor e no vocal rasgado de Phil May.

Lançaram os dois primeiros discos no ano de 1965. The Pretty Things e Get The Picture? apareceram repletos de versões animais de alguns ídolos americanos, como Bo Didley e Chuck Berry. O segundo disco já destacava o lado autoral da banda, com petardos do nível de "Midnight To Six Man" e "L.S.D" . A banda passou o ano seguinte fazendo uma longa tour e só foi lançar o terceiro trabalho em 67. Emotions é o disco mais criticado dos caras. Nem a própria banda, que diz ter se transformado num conjunto pop, gosta do disco. O maior problema foi a produção excessiva que deixou o característico lado cru e selvagem de lado. As canções tendiam mais para a psicodelia pop, com temas bem diferentes dos antigos. Nessa época a formação do grupo tinha, além de May e Taylor, o organista e “faz tudo” John Povey, o baixista Wally Allen e o baterista louco Skip Alan.

Ainda em 67, num passeio de carro, quando a banda estava conversando sobre como seria o próximo disco, Wally Allen sugeriu que as músicas poderiam ter uma conexão, contando alguma história. Phil May não demorou para apresentar um pequeno roteiro, contando a vida de um tal Sebastian Sorrow. A banda adorou a idéia, e passou a trabalhar nas músicas e no conceito.

Depois do fracasso de Emotions, eles estavam loucos pra gravar um grande disco, e para isso, nada melhor do que um grande estúdio e um excelente produtor. Abbey Road e Norman Smith foram os escolhidos. O Abbey Road era o estúdio mais “quente” da época em Londres, todo mundo queria gravar lá. E Norman Smith (também responsável pelo The Piper At The Gates Of Dawn, disco de estréia do Pink Floyd) foi importantíssimo para o S.F. Sorrow, sendo até considerado o sexto “pretty thing” nas gravações. Outra mudança importante foi a entrada do excelente baterista Twink, que pouco tempo antes tocou com a banda psicodélica Tomorrow.

A criação de S.F. Sorrow - 1968

O processo de gravação do S.F. Sorrow foi incrivelmente lento, começando no meio de 67 e só terminando no final do ano seguinte. O Pretty Things era uma banda sem muita grana, então para pagar as contas eles precisavam fazer shows, shows e mais shows, o que atrasava bastante o processo de gravação. Era aquele esquema, uma semana gravando, outra tocando... Outro motivo para a demora foi que, como eles estavam a fim de fazer o melhor disco da carreira, tudo estava sendo aperfeiçoado, todos os detalhes eram revistos e lapidados para que o resultado final ficasse perfeito. Finalmente, em novembro de 1968, S.F. Sorrow estava nas lojas e para surpresa de todos, em mono (um dos grandes truques de Norman Smith, para deixar o disco com uma solidez impressionante). A obra mostrava uma visão extremamente psicodélica e cercada de imagens interessantes, da triste vida de Sebastian Sorrow.

Lado A

Solos de violão anunciam o nascimento de Sebastian Sorrow. Ouvindo “SF Sorrow is Born” é impossível não associar ao início de Tommy, com Pete Townshend criando climas de violão, para depois anunciar “It’s a boy Mrs Walker, it’s a boy...”. Na música dos Pretty Things, a família de Sorrow encontra uma casa vazia durante o natal, e é lá que o bebê nasce. “Bracelets Of Fingers”, uma típica canção psicodélica inglesa, retrata o jovem Sebastian. Introduzida com um irônico “love, love, love”, a canção explica: “Existem poucas coisas que me divertiram/ Braceletes de dedos desde que eu era um menino”, numa clara alusão à masturbação. Em “She Says Good Morning” o jovem Sorrow encontra o amor, de uma forma menos individualista, entre grandes riffs dobrados de Dick Taylor. No final a canção ganha um tom de despedida e de lembrança, “Ela fica esperando no portão, uma imagem em minha mente”, Afinal a guerra estava chegando e era anunciada com rufadas de bateria e a letra surrealista de “Private Sorrow”.

A canção trata do começo e fim da guerra, contendo no final uma narração com o nome dos mortos. Sorrow sobreviveu, reencontrou seu amor da adolescência e se mandou pra Nova Iorque com ela. Na América os dois estavam vivendo felizes e apaixonados até ele resolver dar de presente um ticket para um passeio no Zepelim. Tudo muito bonito e romântico, mas quando o balão já estava no solo, um incêndio destruiu tudo e Sorrow nada pôde fazer, a não ser, ver de “camarote” a morte de sua amada. “Baloon Is Burning” é talvez a canção mais “cinematográfica” do disco. A guitarra agoniada e a linda melodia nos colocam no meio do fogo e de toda a tragédia. Enquanto Phil May canta “Esse balão, queimando”, é impossível não ficar arrepiado. É como sentir o lamento de Sorrow na pele!

O primeiro lado do disco termina com “Death” e um culpado Sorrow se lamentando por tudo. Uma grande interpretação de May faz essa música ter uma apatia agonizante. Nos últimos segundos ainda se ouve o som do fogo queimando.

Lado B

A segunda parte do disco mostra o lado mais psicodélico e viajante da história, afinal as gravações foram feitas no período em que todo mundo estava fazendo suas experiências com ácido lisérgico. O Pretty Things não ia ficar fora dessa, lógico!

Um misterioso personagem é logo apresentado. “Baron Saturday”, um cara que irá levar os olhos de Sorrow a um passeio. May baseou-se em coisas de vudu para criá-lo. Nessa música dá para perceber o efeito “Abbey Road” do disco, os timbres são idênticos a algumas canções dos Beatles. É também a única vez que Taylor cantou uma música na banda. O estranho Baron Saturday leva Sorrow a uma viagem aonde ele se vê cara a cara com sua imagem e acaba entrando no seu próprio corpo. Sorrow começa a ver todo o seu passado, quando percebe estar num salão repleto de espelhos. A lisérgica “The Journey” retrata essa cena mostrando fragmentos das músicas anteriores entre sons psicodélicos.

Em outra grande interpretação de Phil May, “I See You” mostra o final da viagem de Sorrow, “em uma rua escura e ventilada vendo todos os rostos das pessoas que ele conheceu”. Efeitos na voz e barulhos estranhos criam a ligação com a instrumental “Well Of Destiny” e seu clima pinkfloydiano. Vale lembrar que eles toparam diversas vezes, nos corredores do Abbey Road, com Syd Barrett e cia. A pequena peça nos dá impressão de um Sorrow quase louco e atordoado com suas lembranças. Depois de todas a viagem e suas dolorosas recordações, Sorrow se vê sozinho num mundo em que não pode mais confiar em ninguém. “Trust” o confirma “enxugando as lágrimas de olhos que não conseguem enxergar mais ninguém confiável”. A música é de uma amargura tão bela que deixa qualquer um emocionado.

“Old Man Going” é um proto-heavymetal com riffs demoníacos e vocal rasgado, que traz um Sorrow envelhecido e praticamente morto por dentro, com uma visão totalmente negativa do mundo. “Os jogos da vida irão conduzi-lo até o seu túmulo... a casa negra que você construiu logo desaparecerá” canta May com uma entonação de dar inveja a qualquer Ozzy Osbourne da vida. A canção que fecha a história nos leva até o começo do disco, com climas acústicos quase bucólicos. “Você pode ser a pessoa mais solitária do mundo, que nunca será tão sozinha quanto eu”, repete May na pequena “Loneliest Person” e mostra o fim dessa obra-prima com um Sebastian Sorrow velho, amargurado e desiludido com todo o mundo.

A recepção do álbum, curiosidades e o destino dos TPT

S.F. Sorrow infelizmente não vendeu muita coisa, mas foi muito bem recebido pela imprensa e pelas bandas em geral, que até hoje elegem o disco como uma grande obra influenciadora. É inegável que Pete Townshend pegou muita coisa para criar o seu Tommy. “It’s A Boy” e “Amazing Journey” parecem versões alternativas de “S.F. Sorrow Is Born” e “The Journey”, fora toda a importância de espelhos e reflexos, tema também bastante utilizado no disco do Who.

Outra curiosidade é a presença da guerra em todas as óperas-rock inglesas. S.F. Sorrow, Tommy, Arthur e mais tarde o The Wall, de alguma maneira, tratam sobre esse assunto. O fato é que a presença paterna ou familiar deve ter atordoado a cabeça dos jovens ingleses, já que Phil May, Ray Davies nem Townshend participaram de batalha alguma. O fim do disco parece adiantar o que aconteceria com diversos "freaks" dos sixties. Syd Barret e Brian Wilson se encaixam muito bem no deprimido e solitário Sebastian Sorrow do lado b. Seria Phil May uma espécie de profeta?

Depois do S.F. Sorrow a banda passou o ano inteiro de 69 excursionando e preparando o disco Parachutes, que saiu em 1970. Esse disco é considerado o “Abbey Road” dos caras e com certeza é um dos momentos mais inspirados da carreira. Seguiram na década de 70 lançando discos mais voltados para o hard rock e até assinaram com o selo do Led Zeppelin, Swan Song.

Depois de passar um tempo gravando poucos discos e fazendo apresentações esporádicas, o Pretty Things reuniu a formação da época do S.F. Sorrow e em 98 gravou o disco Ressurection, nada mais que o S.F. Sorrow na íntegra, regravado nos estúdios Abbey Road e contando com a participação especial de David Gilmour e do freak Arthur Brown. Tudo isso para celebrar os trinta anos do lançamento do disco. Depois dessa regravação, os Pretty Things reconquistaram algum destaque e até hoje fazem calorosos shows pela Europa.

Nada mais justo com essa banda que raramente é lembrada, mas que tem uma importância enorme para a música pop de todos os tempos.

PRETTY THINGS (F.S. SORROW) 1968

Aqui, a capa completa com as letras no encarte e todo o resto.

6 comentários:

  1. excelente excelente disco, uma das bandas que, em breve, pretendo fazer coluna. isso é um clássico. obrigatório.

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  2. Pois é, Rubem. O mais incrível é que, uma das faixas desse disco, era das melhores vinhetas da rádio Eldopop e eu nem sabia. Fui atrás da discografia e encontro o "Silk Torpedo", 1974. Álbum que eu conhecia de cabo a rabo, graças a mesma Eldopop mas tbm não ligava o nome a pessoa da banda. Aliás, o nome Pretty Things, sempre ouvi falar, mas só agora, velho de guerra, fui conhecer a fundo. Recomendo todos os álbnus desse grupo obrigatório! O próprio Silk Torpedo, 2º o allmusic, um álbum menor, 2º eu mesmo, é um discaralhaço! Então é só procurar pelos blogs ou nos soulseek da vida - onde me encontrei - e baixar tudo q tem a marca The Pretty Things, sem medo de ser feliz.
    Um abraço!

    P.S.: E os problemas de saúde, tão se resolvendo? Se quiser responda-me por emeio. Melhoras e sorte em tudo!

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  3. Como é que faço pra baixar????
    Não tô achando o link.

    Sidão

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  4. Sidão, o link está pertinho de onde vc clicou pra comentar. O nome do álbum no fim do texto e embaixo, estão as capas.

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  5. Anônimo1/9/08 13:58

    UFA...achei.....
    obrigado.....
    Sidão.

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  6. Eh........ Sidão... "Óticas do Povo, Morô! Ha aí!" Perdoe, mas não deu pra lembrar outra coisa senão o bordão do comercial de uma ótica aqui do Rio. O slogan é tão velho que o 1º a dizê-lo era o Grande Otelo. Vê se pegou... Anfã, volte sempre. E pode trazer o cão labrador guia q aqui a gente não se incomoda não(rs).

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Uma obra de arte é um ângulo apreciado
através de um temperamento.
(Emile Zola)