Caro leitor, façamos desta, uma situação hipotética na qual utilíssimo seria, contar com a vossa participação, comentando: dia desses um amigo, radical no conceito, “lei é lei, a justiça é cega e eu cumpro com obediência de olhos vendados”, portanto o amigo é terminantemente contra downloads ilegais. Respeito. Mas... dia desses, como ia dizendo, ele abriu uma excessão porque estava curiosíssimo por conhecer um certo pianista e me fez um pedido: o álbum (“Espaço” do português, Mario Laginha). Feliz da vida, claro, mandei-lhe o link, mas, como gosto que até minrosco no meu lado fanfarrão, não me furtei em mandar-lhe uma zoadinha anexa: “A fortaleza cede! Está cedendo a fortaleza!” O amigo, claro, retrucou mau humorado: “Não abro mão dos meus princípios. Estou querendo ouvir, pq vou para Portugal semana que vem e lá tenho um Manuel conhecido” (em Portugal manuéis são conhecidos, dos butiquins e padarias à lojas de CDs...) “e se eu gostar do Laginha, compro lá mesmo o disco, no meu manuel de estimação.” - o manuel de estimação foi licença poética minha... Anfã.
Caro leitor, estar e viver de acordo com a lei é premissa básica da casa. Mas tenho algumas reservas nas quais a própria casa fala por si. Eis-me na resposta ao amigo:
Mas o espírito é esse, companheiro! Ô cara temoso!...: Ouve-se primeiro o disco, e em gostando, compra-se. Um amigo meu que morou anos em Londres, conheceu uma loja (da qual ficou cliente, óbvio!) que deixava a clientela carregar 3, 4 discos (já numa época em que se podia copiar o CD no computador) e aqueles álbuns os quais o cliente não gostasse, devolvia à loja. Simples assim. Então, o problema não está no download, meu caro. Ainda mais pra vc, colecionador de originais com mais de 10.000 exemplares de origem e pedigri na estante!... Você baixa, se não gosta, apaga. Vais perder espaço no HD? - não o Espaço do Laginha q esse vc vai gostar e substituir por um legítimo. E se gostares, mas não ao ponto de comprar?... Tcham, tcham, tcham...Tcham! Bem, aí vc, que preza seus princípios, apaga assim mesmo, senão é morte aos princípios, certus? Na certa.
Agora, veja o meu caso: minha grana é pra pagar as conta (tou reclamando não, moro no Leblon), Mas então, só por isso, por ser um durango burguês zona sul, eu não tenho o mesmo direito que vc, amigo, de ouvir boa música? É a paga que recebo por não ser tão bem sucedido nos negócios? A idéia é o que há de a mais tosca, mesmo no conceito lei-de-direito-autoral-do-capitalista-selvagem!... Sabe porque? Porque se as leis do mercado são regidas por uma outra, fundamentada na competição, quase tão selvagem quanto a lei da vida - gosto disso! - as gravadoras agora é que encontrem um meio inteligente de driblar o monstro que as está açodando... Vão chamar a polícia!? Voltemos ao meu caso: eu tenho inteligência para ser competitivo e conseguir ganhar mais dinheiro... Inteligência, no sentido, estudo, cultura... Recursos básicos para tal. Mas - ainda no terreno da hipótese - e o operário varredor das ruas - por exemplo? O admirável Renatinho Sorriso, vá lá, exemplifiquemos: quer dizer que é justo, num momento em que a Grande Rede se assoma a boa vontade dos homens (blogueiros, soulseekeiros, etc...) e estão dando a chance (no campo da cultura musical) e os recursos (em mp3 e congêneres) para tudo ser democraticamente disponibilizado a todos, passamos a ser criminosos? Nós porque disponibilizamos, eles ("Renatinho Sorriso", inclusive) porque baixa seus álbuns gratuitamente? Vc não vê, amigo, um tremendo contra-senso nisso? Pense. Contra bons argumentos, tem que haver uma contra-argumentação na mesma força e intensidade. Eu estou aqui, soldado raso, na guerra juntamente com os meus companheiros blogueiros... Saiba: temos um exército! Apenas dizer que a justiça é cega, as leis foram feitas pra serem cumpridas e fim de papo, Kleber e Loureiro, a mim, não me convence.
Se não, vejamos no que já deu obedecer cegamente às leis:
Texto de Jerzy Kozinski (judeu/polonês) no Livro “Passos” (Nova Fronteira):
Achei ele bonito, e fascinante. Falava com um sotaque, acho que é estrangeiro.
É. Veio para cá há alguns anos. Mas agora vive aqui permanentemente.
Você conhece ele bem?
Conheço.
O que ele faz?
É arquiteto, projeta edifícios altamente funcionais, onde o estilo é apenas secundário: hospitais, escolas, prisões, capelas funerárias...
Capelas funerárias?
Evidente. Têm que ser construídas também, você sabe; como as maternidades, por exemplo.
Não deixa de ser original.
Nem tanto. Ele me contou uma vez que, no final da década de 30, logo depois que ele se formou, trabalhou para uma firma de arquitetos. Sua primeira encomenda foi o projeto de um campo de concentração.
Ele recusou.
Não. Foi difícil porque não havia precedentes, mas isso tornou a coisa ainda mais estimulante. Disse-me que naquela época muitos arquitetos disputavam os projetos financiados pelo governo. É claro que quando projetava uma escola, um hospital ou até mesmo uma prisão, eles e seus colegas conseguiam integrar-se no projeto, mas com campos de concentração era completamente diferente: tornava-se necessária uma visão excepcional. Apesar disso, tinha algo da escola, do hospital, das salas de espera nos edifícios públicos e algo também das casas funerárias. Só que a distribuição dos cadáveres era mais eficiente, sobretudo tinha que ser funcional: era essa a filosofia básica. (...) Como havia muito capital e dispunha-se de terra abundante os projetos do meu amigo foram aceitos imediatamente. Assim mesmo era apenas um projeto. Podia ser considerado de vários pontos de vista: numa maternidade, por exemplo, sai mais gente do que entra; num campo de concentração acontece exatamente o contrário. Sua finalidade básica é a higiene.
Higiene? Como assim?
Você já viu um morticínio de ratos? Ou melhor, você gosta de animais?
Claro.
Bem os ratos também são animais.
Não exatamente, quer dizer, não são animais domésticos. São perigosos, razão pela qual têm que ser exterminados.
Exatamente: têm que ser exterminados; é uma questão de higiene. Os ratos devem ser eliminados. Nós os matamos. Mas isso não tem nada a ver com a nossa atitude a respeito dos cachorros, gatos ou outros animais. Os ratos não são assassinados, nós simplesmente nos livramos deles. Ou, para usar uma expressão mais adequada, nós os eliminamos. Este ato de eliminação é destituído de qualquer significado. Não há nele nenhum ritual, nenhum simbolismo: o direito do executor não é posto em dúvida. É por isso que no campo de concentração planejado pelo meu amigo, as vítimas não conservam a sua identidade; tornavam-se idênticas, como ratos. Existiam, somente para serem exterminados.
Pois é leitor, na Alemanha era lei o extermínio de ratos, digo, judeus como o nosso autor Kosinski. Naturalmente, toda uma população de alemães ética, cumpridora da lei, não questionou o direito do executor. Até porque, naquele ambiente, não era muito legal pôr qualquer lei em dúvida.
Peguei pesado? Raciocine com atenção. Contra bons argumentos, só existem os fatos.
É importante frisar que numa sociedade o que importa é se algo é legal ou ilegal. A questão se é moral, ético e tal, simplesmente não vem ao caso. "Mas e...?" Mas nada! Só que, o que faz a criação da legalidade não é outra lei - pode ser mas sempre tem um fim -, mas sim partindo de pressupostos constituídos no senso comum, nos costumes, e toda a parafernália que pode destacar um tipo de sociedade com suas imensas peculiaridades. O grande lance da coisa, como frisado no texto, é a hora de botar em prova a legalidade perante os seus princípios. Aí nessa hora todo mundo toma partido de algum lado. Seja alegando simplesmente a legalidade - ainda excluindo qualquer interesse escuso - ou alegando os princípios, ideologias, em comum. Bem parecido quando queremos difundir a boa música pra todos que tem acesso a internet. Então eu vejo o seguinte. É muito fácil pegar alguém se contradizendo. Pode ser uma lei se contrapondo outra lei hierarquicamente ou alguma mágica jurisprudência, ou até mesmo uma maioria de votos da suprema corte. E também pode ser alguém "abrindo mão dos princípios", nem que seja só pra dar uma escutadinha rápida. hehehe No fim das contas temos que escolher qual lado estamos. Ou melhor, não acho problema ser um híbrido dos dois. E também acho que seja o mais comum dos casos. Só tento não ser hipócrita e me contradizer. Bem esquisito isso tudo.
ResponderExcluirAbraço!
Rodolfo
Funde a cuca, né? O engraçado é que eu sou disposto a fundir a minha - talvez vc a sua - por um ideal de legalidade. Não tanto pelo social, mas pelos artistas, talvez os que menos opinem. Enquanto isso, a parte mais intere$$ada, a que se sente mais injustiçada e a que grita pelo choque policial, querendo vencer na base do medo e da intimidação. O papo é complexo. E está aqui pra quem quiser ajudar no quebrar a cabeça... a vontade.
ResponderExcluirValeu colaboração, Rodolfo.
As coisas ñ são estáticas, thank God!
ResponderExcluirMas taih uma discussão pouco difundida.
Ñ sei pq! No caminho, os ilustríssimos doutores vão ter um trabalhinho, mas olha o tanto d 'extra' q as gravadoras etc vão lhes render!
Aaah... tah. Eh q, ao fim e ao cabo, iam ter eh q liberar tudo, mesmo. Qm tem a mínima noção do que seja a internet deduz isso.
(Ia ser melhor pro povo e pros artistas, daih complica, neh?!)
Am... Isso me lembrou esse povo q vive dirigindo bebão e qd perde um ente qrido pára. E qd alguém diz q td bem beber e dirigir, fala: "Vc jah perdeu alguém por conta disso? Eu jah!" Gente que diz q a gente tem q separar o lixo, poupar água, pararah pororô, pq señ, 'o vai ser dos meus netos'... Por aih.
Bisous
Em tempo: ñ tô dizendo q seu amigo eh assim!!!
ResponderExcluirFoi soh q me lembrou..., me lembrou...
O Brasil é país das leis furadas. Disse o Caetano uma vez, algo parecido com: uma terra em q seu povo desobedece uma convenção global de q, no verde a gente anda, no vermelho pára-se, não se enquadra no conceito de país civilizado.
ResponderExcluirA questão dos artistas é que á mais importante nisso tudo. Alguns muitos reagem como a Mônica Salmaso. Vc já viu uma postagem aqui sobre ela? Veja:
http://sergiosonico.blogspot.com/search?q=adoro+ver+meus+discos
Mas... o problema é que, estão todos divididos. Não chegaram a uma conclusão.
Por isso insisto nessa tecla. O meu modo de colaborar com a discussão.
Ah, Gabi, o amigo é duro na queda. Tá arriscado a, se ler essa postagem, para se manter fiel aos seus princípios, deletar o link oferecido e ouvir o Mario Laginha lá em portugal, na loja do manuel (de estimação) e aí sim, decide se compra ou não.
Bjos!
valeu pelo blog todo
ResponderExcluirSe não me engano, foi o Millor que afirmou: "a lei é um artifício pra burlar a justiça"
ResponderExcluirMillor Fernades é um frasista arrétado, Dario.
ResponderExcluirNo mérito da lei versus o crime - versus ou versa? - minha favorita é:
"Nós, todos criminosos em potencial de uma sociedade doente, não aguentamos mais esse suspense. Acordamos todo dia perguntando; quando é que vamos sair do banco de reservas!"
Como bem colocado pelo meu grande companheiro Rodolfo e bem enunciado no texto, a questão de legalidade é respaldade em princípios. Princípios esses baseados na moral, ou seja, provenientes dos costumes sociais. O que pessoas extremistas e de cabeça fechada que se ajoelham perante a instituição normativa das leis positivadas esquecem é que existe tb a ética. Esta se define pelo questionamento dos costumes morais, ou seja, agir não só pela inércia e tradição. A ética é a constituição de conjuntos de valores revisados, que colocam a moral sobre o escopo de questionamentos embasados no estudo e carga cultural adquirida por toda nossa peregrinação no mundo intelectual.
ResponderExcluirO que tudo isso significa? Significa que as leis são formuladas por razões tradicionais, que nem sempre levam em conta a revisão conceitual de seu embasamento, tornando o poder coercitivo do Estado cego e despropositado. Qualquer um que siga isso as cegas pode se candidatar a uma vaga no reino dos animais irracionais, que agem pelas leis da natureza sem querer saber suas razões.
Leis de defesa dos direitos autorais existem por razões fundamentais interessantes. Essas leis protegem propriedade intelectual, protegem o trabalho árduo de artisitas que se dedicam a uma formação cultural ampla. Mas protegem do que? Protegem da apropriação alheia, não deixam mequetrefes de segunda categoria se passarem por grandes artisitas roubando obras daqueles que merecem. Não permitir o download de músicas via internet (atividade esta que n visa nenhum lucro financeiro, como o caso dos nossos blogs)é apenas uma norma que reflete o interesse de grandes coorporações geradores de lucros que não querem perder sua tão sagrada renda milionária. As leis são distorcidas para proteger os arcabouços de capital e arrecadação de lucros das grandes gravadoras e produtoras.
Como bem descrito no texto, esse tipo de atitude apenas reforça a exclusão cultural que se reforça pra cima daqueles que n possuem renda suficiente para manter uma coleção crescente de discos digitais e vinis de bandas e artisitas merecedores de tal reconhecimento. A intenção de um artisita jamás pode ser a não-disseminação de seu trabalho e cultura. Artisitas verdadeiros devem lutar pela ampliação do alcance das redes de informação gratuíta que movem a cultura até os cantos mais escusos do mundo. Viva a liberdade na troca de informações!
Danda.
Pô, Danda, arrentou. O propósito do texto era esse, difundir a discussão, defender de uma forma inteligente e com bons argumentos o nosso posicionamento. É isso que nos fartalece. Então, a lamentar somente que mais blogueiros que por acaso aportem por aqui, não se sintam motivados em participar da discussão. Por isso estou mantendo essa postagem no topo. Para q dê mais pano pra manga. Muito obrigado por sua colaboração.
ResponderExcluirFala, Sérgio. Acho que nossos propósitos se convergem na vontade de gerar discussões produtivas e fundamentadas em nossos blogs. Tb sinto por aqueles que n se interessam em se juntar nessa 'ciranda' de argumentos tão produtiva. Mas é bom saber que, pelo menos, algumas mentes estão ao alcance dos nossos propósitos.
ResponderExcluirGrande abraço,
Danda.
aaaaaah fazia tempo que eu nao vinha aqui..
ResponderExcluircomo pude perder esse texto? não, eu não iria me perdoar.
cara adorei esse texto e super concordo com sua opinião.
o assunto desse texto é estranho e complicado, até porque cada um tem sua forma de agir, o seu certo e seu errado, gostei muito da comparação que você fez mas acho que isso é meio que ideológico, parte das leis são ideológicas, e dependem da cultura de cada região, não concorda?
como você mesmo citou, na Alemanha era "certo" matar pessoas pela raça e religião, isso por que? pela opinião de um governante que "fez" as pessoas "concordarem" com ele.
é não sei se consegui expressar o que eu penso. ainda estou tentando desenvolver minha escrita.
aaah, sobre seu comentário, espero que o universo tenha planos mesmo, e estou disposta a conquistá-los se caso o universo estiver os negando para mim. tá corrido mas to acreditando que eu vou conseguir.
beeeijos
Nathali, vc entendeu tudo perfeitamente. E interpretou direitinho, tbm. Aliás foi a única q falou sobre a comparação entre a história real e o texto ficção do Kozinski. Moça, é a parte mais importante, a intenção do post. Pq as pessoas tendem a achar que é tudo igual pirataria da mesma forma, o trabalho q fazemos aqui com o camelô q vende o lançamento de filme comercial e artista músico comercial. É tudo contra lei, tudo pirata e tudo criminoso. Por isso "forcei a barra" com as leis nazifacistas. Pq a partir do momento em q são todos criminosos, a lei é igual pra todos, certo? É por aí q começa.
ResponderExcluirContinue acreditando em vc e lutando q a vida não te sabota, "é nós q nos sabota e sabota nossa vida."
Bjo!
aaaaaaa bom, entendi melhor ainda.
ResponderExcluirnotei também que você forçou a barra hahahaha, mais é "a mesma coisa" apenas em "proporções" diferentes não é?
a realamente "é nos q nos sabota", ando notando muuuuito isso.
beijos