sábado, 31 de maio de 2008

ERA UMA VEZ (UMA FÁBULA REDENTORA)


Morto pós-infarto fulminante político lambão já chegou no purgatório roendo as unhas. Ciente de que, se existe um purgatório, haverá também, céu, inferno e juízo final, na espera, aproveitou para roer a mão. Felizmente (pra ele), infelizmente (pra nós), Lambão purgou ali somente alguns minutos. Logo apareceu São Pedro, que, após desculpar-se do atraso, acalmou o parlamentar explicando que ali não havia julgamento algum e que a escolha, entre o andar de cima ou o subsolo (assim eram chamados os 2 últimos estágios), era feita pelo próprio candidato. Explicadas as regras, Lambão tomou o Elevador da Escolha não sem antes elogiar a política do além: aquilo sim era democracia... E desceu para, na ordem estipulada pela Casa, conhecer o subsolo.

Abre-se a porta do elevador e ele se vê diante de um lindo campo de golfe, ao fundo, a bela sede de um clube de caça e pesca, na frente do qual estavam alguns dos finados parlamentares com os quais ele já havia trabalhado. Lambão é efusivamente saudado, abraçado. A conversa animada é pautada nos bons tempos em que todos ficaram ricos às custas do povo. Joga-se uma descontraída partida de golfe, depois, enquanto se degusta lagosta, caviar, todos bebericam champanhe... Tudo, desde louças, talheres, drinques e pratos muito corretos, luciferianamente caros. O mestre de cerimônia, inclusive, era o próprio diabo, um sujeito bonachão e, no julgamento do recém falecido, um tanto panaca, pois passava o tempo todo bêbado, dançando e contando piadas sem graça. Aliás, o político só descobriu que aquele paspalho era o Demo, quando este, ao se despedir, deu as costas deixando antever o rabo com a ponta de seta apontada para si (ele o Lambão). Ameaça? Qual o quê!, todos os comparsas ridicularizaram o rabudo, riram-se a valer. Enfim. o tempo passou tão rápido que, antes do político Lambão se aperceber, já se havia passado as 24 horas agendadas para à 1ª visita.

Lambão torna ao Elevador da Escolha e sobe. Sobe, muito mesmo desta vez. A porta abre e o Anjo Ascensorista aponta o andar de cima. O político então passa 24 horas junto a um grupo de almas contentes que pulam e dançam sobre e por entre as nuvens, tocando instrumentos de sonoridade agradável, entoando cânticos celestiais, mantras singelos, aquelas coisas dos bemaventurados... Mudança na rotina, só quando uma das almas é convocada a dar rasantes radicais até a Terra, para ajudar algum ser (humano ou não) a se desembaraçar de qualquer apuro. Por incrível que pareça, o nobre deputado até se diverte com àquela nova e inimaginável prática do bem. Tanto que, como no subsolo, antes de se aperceber, as 24 horas da visita passaram bem rápidas, também.

Visitados os dois estágios era a hora da decisão final definitiva e irrevogável. E São Pedro fala ao candidato: - "E então, filho, onde queres passar a eternidade?”. Político convicto, Lambão responde: - “Olha, São Pedro, eu juro que nunca imaginei que seria assim. A cobertura, lá em cima, é, como eu pensei... Muito mais divertida, até! No entanto (cutuca São Pedro) cá entre nós, embora o capeta seja um tanto apatetado, eu acho que declinarei do céu... Mas, veja bem, é só por uma questão de fidelidade partidária! Assim, acredito que ficarei mais bem instalado no Subsolo, ao lado dos meus companheiros correligionários. Sabe como é, né? Eles precisam mais de mim...”

Então São Pedro leva o político fidelíssimo de volta ao elevador, os dois se despedem, o parlamentar desce novamente até o subsolo. Abre-se a porta e o campo de golfe, milagrosamente, foi transformado num deserto. Os tacos tornaram-se picaretas e os (verdadeiros picaretas) parlamentares, sob um sol escaldante acorrentados uns aos outros, quebravam imensos blocos de pedra.

Sóbrio e de braços abertos, o Diabo vai ao encontro do recém falecido, passa-lhe o braço pelo ombro e pacientemente escuta as já costumeiras lamúrias dos calouros desavisados: - "Não compreendo, excelência, ontem mesmo isto aqui era o verdadeiro paraíso! Havia um campo de golfe, um clube de caça e pesca, comia-se lagosta, caviar... Nós dançamos, nos divertimos com vossas piadas hilariantes... E agora só o que vejo é este deserto escaldante, cheio de pedras pra quebrar!” O Diabo aperta forte no abraço o parlamentar e com o bafo do cão e a voz pausada - enquanto passa para o político uma picareta -, explica a parte que o espertalhão ainda não atinara: - “Ontem, nobre deputado - disse o capeta -, estávamos em campanha política. Agora, que já conquistamos o teu voto... Tome, vá ajudar a tua corriola a transformar este inferno num paraíso tão convincente quanto aquele que seduziu vossa excelência”.

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Uma obra de arte é um ângulo apreciado
através de um temperamento.
(Emile Zola)